Manifesto
contra a morte de jovens na periferia
Por: Araripe Coutinho *
Imagine
uma canoa que começa a fazer água. Desesperados, seus ocupantes
passam a remar furiosamente, na busca por alcançar terra firme antes
que todos afundem. Só que parte rema para um lado; parte, para o
outro, enquanto todos trocam acusações sobre a quem cabiam as
responsabilidades pela devida manutenção da canoa. O leitor
provavelmente não se espantaria se o resultado de tal drama
hipotético fosse um naufrágio.
Esse
preâmbulo é uma analogia com o cenário atual em Sergipe. O Governo
do Estado atrasou salários de servidores – o que é de fato
lamentável -, porém, ao invés de toda a classe política se unir
em ações propositivas, visando encontrar uma alternativa viável,
verificou-se uma saraivada de críticas que, neste momento, em nada
contribuem para a resolução do problema. Trata-se de um movimento
que apequena a política partidária, ao priorizar uma contenda
mesquinha, quando a gravidade dos fatos requisita espírito público
posto acima de tais questões.
Ainda
que ideologicamente eu esteja em campo de oposição ao governador
Jackson Barreto, acredito ser obrigação de cada político se dispor
a ajudá-lo no enfrentamento a dificuldades de ordem econômica que,
como se sabe, não são exclusivas de Sergipe. No dia 31 passado, por
exemplo, reportagem no Bom Dia Brasil, da Rede Globo, teve como
título “Rombos estaduais chegam a R$ 8 bi e falta dinheiro até
para gasolina”. A matéria questiona os respectivos governadores,
ao afirmar que “é isso que acontece com quem gasta mais do que
podia”, mas faz a ressalva de que a situação se agrava “porque
os Estados ainda têm outras dívidas, milionárias, de longo prazo,
como as feitas com bancos e com o Governo Federal”.
Na
nota emitida pelo Governo de Sergipe para explicar o atraso no
pagamento do funcionalismo – “excepcionalmente”,
segundo
o texto -, o problema é atribuído “às constantes quedas nos
repasses do Governo Federal, principalmente do Fundo de Participação
dos Estados (FPE) que esse ano vem acumulando quedas consecutivas,
podendo fechar o exercício de 2014 com uma frustração de cerca de
R$ 200 milhões, somado ao aumento exponencial das despesas com a
previdência pública estadual, que até o mês de setembro consumiu
R$ 540 milhões dos cofres estaduais e aponta para um déficit de R$
750 milhões até o final de 2014”.
Conforme
divulgou o Banco Central no final de outubro, só no mês anterior,
setembro, União, Estados, Municípios e empresas estatais amargaram
um déficit de R$ 25,5 bilhões - o pior resultado desde 1994, quando
o Plano Real foi implantado, e também um recorde negativo desde que
o regime de metas fiscais foi criado, em 1999.
A
crise é ampla e apenas alianças regadas à sensatez podem fazer
frente a seus efeitos nefastos, os quais vão recair, como de hábito,
na qualidade de vida dos brasileiros. Especialistas já sinalizam um
aumento de impostos como a única saída para o ajuste das contas
públicas, ou seja, a fatura da irresponsabilidade fiscal será paga
por todos.
Qualquer
família organizada do ponto de vista financeiro sabe que tempos de
crise demandam apertar os cintos. Sob esse prisma, é salutar que o
Governo de Sergipe tenha informado o propósito de “tomar diversas
medidas necessárias para redução de despesas na máquina pública”.
Movido
pelo espírito colaborativo que aqui exalto, passo a propor algumas
providências para contenção de gastos que, a rigor, já vinham
sendo cobradas antes mesmo de se tornarem tão concretamente
urgentes, inadiáveis. Uma delas é o próprio redimensionamento da
máquina pública. Ao implantar efetivamente a meritocracia -
critério que deveria pautar
as
contratações, mas usualmente relegado ao enésimo plano, por força
de conveniências políticas -, o Estado conseguiria reduzir cargos
em comissão com justiça, valorizando e mantendo apenas os que de
fato cumprem suas funções com eficiência e denodo.
Na
mesma lógica da meritocracia, sugiro ao governador Jackson Barreto
que pense na possibilidade de extinguir cargos de adjuntos e, mais
além, de reduzir o número de Secretarias de Estado pelo instrumento
de fusões ou, quando couber, assumindo corajosamente que, na relação
custo/benefício, não se justifica a manutenção de uma pasta –
ou de quantas se encaixarem nessa métrica.
A
administração pública, em qualquer esfera, não transcende a
exatidão matemática. Quando os gastos são superiores à
arrecadação, os problemas financeiros são inevitáveis. Postergar
a racionalidade capaz de ao menos minimizá-los a um ponto aceitável
é tarefa que o gestor tem a obrigação de abraçar, sob pena de,
como aconteceu, deixar de cumprir no prazo correto um pacto
essencial: o pagamento da folha.
O
governador Jackson Barreto tem em seu caminho a adoção de medidas
impopulares, que seguramente vão ser questionadas. Porém, citando
uma expressão bem conhecida, “não se faz omelete sem quebrar uns
ovos”. Como um político cuja prioridade é o bem de Sergipe, estou
disposto a contribuir no que for necessário para sanear as finanças
do Estado.
Criticar
é bem mais confortável do que apresentar sugestões, mas oposição
por si só não melhora a vida do povo de Sergipe – e é com esse
povo que firmei meu compromisso.
A
escalada da violência no município de Aracaju não é uma surpresa
para quem acompanha a cidade e se debruça sobre
seus
indicadores. A maioria dos bairros não tem nenhuma biblioteca
pública, não tem nenhum equipamento esportivo público, os postos
de saúde não têm, na sua maioria, medicamentos; as delegacias, fim
de semana, estão fechadas e não há nenhum centro cultural. Em todo
o município, há proliferação de favelas, enquanto centenas de
jovens entre 15 e 19 anos estão fora da escola, metade da população
jovem, entre 15 a 24 anos, está desempregada e milhares de crianças
(170 mil) necessitam de vaga em creche pública. Para se deslocar na
cidade, o aracajuano passa em média 2 horas e 23 minutos por dia no
trânsito (o equivalente a um mês por ano) e o transporte público,
nos horários de pico, oferece condições sub-humanas. Para serem
atendidas por um médico no posto de saúde público, as pessoas
esperam em média 66 dias; para fazerem exames em laboratório, mais
86 dias; e, para procedimentos mais complexos, mais 178 dias.
Este
é um cenário perfeito para que prosperem a criminalidade e a
violência: extremas carências, enorme desigualdade gerando
frustração e revolta pela injustiça, ausência do poder público e
falta de oportunidades de trabalho, educação, cultura e lazer para
jovens de baixa renda, além de serviços públicos de educação,
saúde e transporte de baixa qualidade (as pessoas de maior poder
aquisitivo e até os responsáveis pelas políticas públicas pagam
para usar serviços). Para combater a violência, é claro que
precisamos de uma polícia competente, amiga da comunidade, bem
capacitada para exercer mais a prevenção do que a repressão, de
policiais bem remunerados e honestos, de um sistema prisional que
recupere as pessoas para o convívio social, de uma justiça ágil e
honesta. No entanto, enquanto não mudarmos o quadro social e
econômico e pensarmos apenas em aumentar a repressão, enquanto não
atacarmos as raízes dos problemas, estaremos apenas realimentando a
espiral da violência.
No
bairro Industrial várias vidas estão sendo ceifadas e quer ver
coisa é na Terra Dura, bairro América, Manoel Preto, e
na
grande Aracaju também como Marcos Freire, Eduardo Gomes, Fernando
Collor de Mello e etc. Não podemos nos calar diante dessa barbárie,
muitos vítimas de latrocínio, outras por porte de drogas e tráfico,
quase sempre justificado pela dita sociedade, como “marginal,
drogado, desocupado, ladrão”. Como se ali não tivesse uma pessoa,
uma família. Nós queremos nossos jovens felizes. Tomando sorvete
com a namorada sem medo, andando no bairro com orgulho do lugar que
mora, queremos nossos jovens VIVOS E NÃO MORTOS, queremos nossos
jovens livres de balas, humilhação, tristeza. Queremos políticas
públicas efetivas para nossos jovens, queremos chorar de alegria por
termos passado nossos filhos no vestibular, e não por terem morrido
no silêncio das balas por uma pedra de crack de 10 reais. Precisamos
urgente incentivar a aplicação de penas alternativas à prisão e a
descriminalização de condutas, de modo a romper com a lógica do
encarceramento em massa e combater a superlotação prisional.
Aprimorar
a apuração da responsabilidade de agentes públicos acusados de
praticar atos de violência e de violar direitos
humanos.
Investir no acesso à justiça, estimulando o fortalecimento e a
autonomia da Defensoria Pública. Precisamos desmontar redes de
corrupção e criminalidade, identificar as lideranças dessas redes
e combater a corrupção e os grupos de extermínio.
São
medidas de curto prazo que devem ser tomadas, levando-se em conta a
situação de guerra civil que vivemos em Aracaju, a qual atinge
principalmente a população mais pobre e vulnerável das periferias
da cidade. Conclamamos igualmente aos cidadãos e cidadãs, as
entidades da sociedade civil, as empresas a empunhar estas bandeiras
e se empenhar em colaborar dentro de suas possibilidades e de sua
esfera de poder e de influência, ajudando nossa cidade a tornar-se
uma cidade de paz, justa e sustentável, uma cidade que ofereça
qualidade de vida para todos os seus habitantes.
Precisamos
estimular a criação de espaços comunitários destinados ao
fortalecimento de vínculos de solidariedade entre os membros da
comunidade, bem como para a mediação e solução de conflitos
interpessoais, com a participação dos serviços públicos
essenciais. Queremos que todas as religiões somem-se ao nosso
projeto. Que o Ministério Público Estadual e Federal unam-se no
combate à violência e punam os culpados pelos seus gestos, suas
atitudes criminosas, muitas vezes impunes. Rogamos, pois a Deus,
força e coragem para que este Manifesto seja recebido pela
sociedade, e que possamos tomar parte desta realidade que assola
principalmente nossos jovens como o Elvis, homenageado hoje com um
painel, pintado por um grafiteiro de nome Feik do bairro e Joões,
Antonios, Paulos e recentemente também o Samurai, um ser que
meditava na orlinha do bairro Industrial, barbaramente assassinado
sob os olhos do sol.
Fica
então, aqui, o nosso Manifesto: das mães, das famílias, daqueles
que não têm voz, órfãos do poder constituído e
institucionalizado, fica aqui a nossa dor. Que possamos construir uma
sociedade de inclusão, mais humana, mais justa e mais pacífica.
Entidades constituídas e presentes.
*Araripe Coutinho é jornalista do Jornal da cidade em Aracajú, poeta, ícone aracajuano, ex assessor de Clodovil Hernández ,representante da Anistia Internacional e um grande e verdadeiro amigo.
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