QUASE COMO UM CAMPO DE CONCENTRAÇÃO, ÔNIBUS EM SALVADOR TORTURAM E HUMILHAM IDOSOS QUE DEVERIAM TER SEUS LUGARES PRESERVADOS OU INGRESSAREM GRATUITAMENTE POR TRÁS.
*Iamara Santana
(Facebook)
Hoje
tive o desprazer de conhecer os novos ônibus que farão o transporte
coletivo em Salvador. A entrada agora acontece pela porta dianteira e a
saída pela porta do fundo. Começava a chover quando me aproximei do
ônibus. Uma aglomeração formava-se antes da catraca e eu, ainda do lado
de fora, aguardava ansiosa a minha vez de entrar. Consegui subir e o
motorista fechou a porta atrás de mim, mas aquela aglomeração não se
desfazia, enquanto eu continuava parada no primeiro degrau. Neste
momento a minha ingenuidade levou um soco na boca. Todos a minha frente
eram idosos e eles não sairiam de onde estavam porque caso cruzassem a
catraca a passagem lhes seria cobrada. Boquiaberta perguntei ao
motorista se eles não deveriam entrar pela porta do fundo, ao que o
motorista respondeu negativamente sacudindo a cabeça, nitidamente
envergonhado. Ainda incrédula, questionei ao cobrador a respeito, ao
que ele me respondeu: "Ordens da prefeitura. Este é o prefeito que vocês
elegeram". Felizmente pude encher a boca para dizer que o meu voto o
prefeito não tivera. Finalmente, entrei no ônibus, após pagar minha
passagem, e notei que muitas cadeiras estavam vazias, deixando-me ainda
mais perplexa. O transporte público municipal sempre foi extrememamente
deficiente, caro e precário. Entretanto, o que vemos agora é uma atidude
desumana, mesquinha e ilegal perpetrada pelo poder público. Os idosos
(maiores de sessenta e cinco) têm garantida contitucionalmente a
gratuidade nos transportes coletivos urbanos (art. 230, parágrafo 2° da
Constituição Federal). Que ninguém queria alegar que lhes disponibilizar
três cadeiras (salvo engano) e encurralá-los em pé atrás das catracas
realiza tal garantia constitucional ou estaria subestimando a
inteligência de todos nós. Nas linhas que eu utilizo regularmente no
centro de Salvador as cadeiras reservadas aos idosos (em número muito
maior) raramente eram suficiente para atender a demanda e era comum
outros passageiros levantarem para que um idoso sentasse, o que me dava
muito prazer, aliás. Hoje eu fiquei sentada em um ônibus vazio,
assistindo o deprimente espetáculo que a foto abaixo pretende retratar.
Na cadeira atrás de mim, um senhor especulava dizendo que a culpa não
era da prefeitura, mas da empresa (a concessionária a quem foi delegada a
prestação do serviço). Ouso discordar. Obviamente interessa à
concessionária afungentar os idosos, enchendo os ônibus de passageiros
que pagam a caríssima passagem cobrada. Todavia não importa aqui de quem
partiu a ordem cruel que obrigará os idosos a viajarem espremidos entre
a catraca, a porta do ônibus e a cadeira do motorista. A titularidade
do serviço de tranporte público municipal é do município, logo, em bom
português, a responsabilidade é da Prefeitura Municipal de Salvador.
Ademais não elegemos como nosso legítimo representante o dono de empresa
nenhuma, elegemos vereadores e um prefeito municipal, logo são eles que
nos devem prestar contas pelo que fazem, deixam de fazer e admitem que
façam. Gosto de acreditar que vivemos em uma democracia, onde nos é dado
o direito de nos levantarmos contra arbitrariedades e ilegalidades. Não
devemos ficar calados enquanto o poder econômico viola direitos
constitucionalmente assegurados. Talvez eu seja uma idealista
inofensiva, mas espero que todos (usuários e não usuários) manifestem
repúdio à tal política no transporte público. Vamos ocupar as redes
sociais, as ruas, as praças ou a prefeitura, se necessário. Mas que não
fiquemos calados. Se você não gritar enquanto agridem o seu vizinho,
dificilmente conseguirá gritar enquanto pisam na sua cabeça.
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