EXPERIENTE JUIZ, MILITANTE DA ÁREA PENAL E PREOCUPADO COM A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO, DEFENDE A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NOS PROBLEMAS DE REINTEGRAÇÃO SOCIAL
ENTREVISTA: “O Brasil é um país que prende muito; porém, prende mal”.
Fonte: Blog do Fabio Sena
Entrevista publicada também no Jornal do Sudoeste, Ano XVI, Edição 556, 16 a 28 de janeiro de 2015. |
Titular
da Vara de Júri e Execução Penal em Vitória da Conquista,
absolutamente comprometido com as políticas de ressocialização de
detentos e convicto de que o Estado não conseguirá dar conta desta
fundamental tarefa social sem apoio da sociedade civil organizada, o
juiz Reno Viana Soares é um crítico mordaz do modelo penitenciário
brasileiro e advoga pela promoção de um projeto nacional capaz de
superar o drama da superpopulação carcerária. Segundo ele, o
Brasil prende muito, mas prende mal, de modo que, apesar a imensidão
de presos, não redunda em melhoria do sistema de segurança pública.
“Há uma desvinculação entre a quantidade de prisões efetuadas e
a eficácia dessas prisões no sentido de assegurar maior segurança
à população”.
Nesta
entrevista exclusiva do Blog do Fábio Sena, o juiz Reno Soares
defende que os presos oriundos de Vitória da Conquista cumpram suas
penas em unidades prisionais locais, não em Salvador. Indagado sobre
o permanente debate sobre redução da maioridade penal, em pauta
sempre que um fato envolvendo menores de idade ganha repercussão
nacional, o juiz Reno Soares é categórico ao afirmar que não
enxerga na redução da maioridade uma solução. “Na verdade, isso
só agravaria a nossa situação de superpopulação carcerária”,
adverte. “É legítimo a nação destinar à sua juventude a
cadeia? Eu acho que a nação deveria oferecer um futuro melhor pra
sua juventude”.
Logo
abaixo, leia na íntegra a entrevista com a juiz Reno Viana Soares.
BLOG
DO FÁBIO SENA: Doutor Reno, o senhor tem tido um trabalho permanente
na luta pelos Direitos Humanos. Que avaliação o senhor faz do
cumprimento dos direitos no Brasil, dos Direitos Humanos?
RENO
SOARES: Olha, é uma luta constante, interminável, porque os
direitos são sempre conquistados, eles não são dados. E é uma
luta permanente. Nós temos registrado avanços, às vezes acontecem
retrocessos, mas eu diria que a linha evolutiva, de modo geral, tem
sido no sentido de avanços nessa matéria. Porém, no Brasil, nós
temos problemas gravíssimos, um dos quais a situação carcerária,
que é um problema nacional hoje.
BLOG
DO FÁBIO SENA: A superpopulação carcerária é tema antigo no
Brasil, mas, afinal, qual a raiz do problema?
RENO
SOARES: Olha, o Brasil, ao contrário do que se imagina, é um país
que prende muito, porém, prende mal. Então, nós temos prisões
superlotadas, mas como nós temos muitas deficiências nessa área da
execução penal, isso faz com que, embora as prisões estejam
superlotadas, essa superlotação não se reflita como aumento da
segurança, da chamada segurança pública, ou seja, há uma
desproporção, há uma desvinculação entre a quantidade de prisões
efetuadas e a eficácia dessas prisões no sentido de assegurar maior
segurança à população.
BLOG
DO FÁBIO SENA: Você acha que é o processo de violência à
dignidade humana verificada nas prisões brasileiras não ferem
preceitos constitucionais básicos?
RENO
SOARES: Sim, sim, as prisões brasileiras são muito ruins e isso já
tem sido, inclusive, oficialmente reconhecido, e no âmbito do Poder
Judiciário, que é o poder do qual eu faço parte. Já é consenso.
Não há nenhuma dúvida de que as prisões brasileiras, de modo
geral, são muito ruins.
BLOG
DO FÁBIO SENA: O governo estadual está construindo um novo
presídio, mas para abrigar presos provisórios. Isso, de alguma
forma, será suficiente pra debelar o problema atual?
RENO
SOARES: Nós tivemos uma luta histórica aqui muito grande pela
construção da nova unidade, já que o [Presídio] Nilton Gonçalves
já não atendia às necessidades da nossa população. Conseguiu-se
finalmente a construção dessa nova unidade, mas ainda não existe
uma definição formal se essa nova unidade será destinada a presos
provisórios ou ao cumprimento de pena. Há uma necessidade de que os
condenados de Vitoria da Conquista cumpram a pena aqui, porque nós
temos situações absurdas aqui em Vitoria da Conquista da seguinte
maneira: por exemplo, o preso condenado em Vitoria da Conquista é
levado a cumprir pena em Salvador, e ai o Estado o leva pra Salvador
através de condução oficial e, no momento que ele obtêm a
liberdade pelo cumprimento da pena ou por algum beneficio, ele é
solto em Salvador sem ter um único centavo pra pegar qualquer tipo
de transporte pra voltar pra Vitoria da Conquista, terra natal dele.
Isso é uma violação gravíssima aos direitos humanos. Então, ele
é solto em Salvador e não tem como se deslocar de volta pra Vitoria
da Conquista, então a necessidade é que esse comprimento da pena
aconteça aqui, que é onde está a família dele, onde está o
enraizamento social dele, onde estão todas as expectativas que essa
pessoa algum dia consiga ser ressocializada. Em Salvador, onde ele
não conhece ninguém, onde ele não tem nenhum vínculo, onde ele é
um ex-presidiário que não vai conseguir nenhuma ocupação é que
com certeza ressocialização nenhuma vai acontecer.
BLOG
DO FÁBIO SENA: Sempre que a insegurança aperta, o mote preferencial
na sociedade é a redução da maioridade penal. A Câmara Federal
inclusive tem insistido no debate do tema e há um grande movimento
inclusive nos meios de comunicação. Na visão do senhor, para os
casos de crimes cometidos por menores de idade, qual é a solução?
É a redução?
RENO
SOARES: Eu não vejo a redução da maioridade penal como sendo uma
solução, porque na verdade isso só agravaria a nossa situação de
superpopulação carcerária; nós já não temos cadeias para
atender a demanda atual. Uma eventual redução da maioridade penal
iria provocar um agravamento dessa situação, então a solução não
passa por aí, além da própria questão, não vou nem entrar na
discussão jurídica, se é constitucional ou não, mas eu acho que
não é. É legítimo a nação destinar à sua juventude a cadeia?
Eu acho que a nação deveria oferecer um futuro melhor pra sua
juventude.
BLOG
DO FÁBIO SENA: Uma das reclamações mais correntes na Justiça
brasileira é a insuficiência de pessoal, o que tornaria a Justiça
lenta no Brasil. Conquista passa por essa situação?
RENO
SOARES: Olha, no contexto judiciário da Bahia, Vitoria da Conquista
não está, digamos assim, naquele rol das comarcas mais
problemáticas; pelo contrário, poderia dizer que a nossa situação
aqui é uma das melhores. Mas, de modo geral, isso é em todo Brasil,
o Poder Judiciário tem tido muitas dificuldades em atender às
demandas da população, então é preciso que se faça todo o
planejamento estratégico, toda adoção de uma série de medidas
visando que o serviço de prestação judicial melhore. Agora, no
contexto da Bahia, a nossa situação aqui eu diria, arriscaria
dizer, que está entre as melhores e não entre as piores.
[Transcrição
de áudio: Sabrina de Oliveira]
- Reno Viana
- Bahia, Brazil
- Juiz de direito nos sertões da Bahia desde 1996, interesso-me por estudos sobre a sociologia da sociedade brasileira e por temas correlatos.
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